Chamada de trabalhos para o volume 8, número 2, ano 2023

Com o intuito de incentivar a produção acadêmica no âmbito das ciências do Estado, a Equipe Editorial da Revista de Ciências do Estado (REVICE) e o Centro de Excelência Jean Monnet da Universidade Federal de Minas Gerais (CEJM-UFMG) tornam pública a presente chamada, referente à composição do dossiê do volume 8, número 2, ano 2023. O tema do dossiê desta edição será “ESTUDOS INTERNACIONAIS: DA UNIÃO EUROPEIA PARA O MUNDO”. Para enviar a submissão, CLIQUE AQUI.

A separação entre physis e nomos, isto é, entre natureza e cultura, marca a essência da civilização ocidental. O homem viu-se cindido, apartado do mundo natural a partir do momento em que esteve consciente de si e consciente de que seu destino não estaria submetido ao determinismo do ambiente: separou-se sujeito e objeto. Contudo, cada povo, cada cultura, cada civilização traçaria seu próprio destino, seu télos, a partir de suas tradições, seus valores e suas utopias. Ao menos era o que estava posto até que as fronteiras geográficas e tecnológicas se alargaram e as civilizações se encontraram e foram compelidas a relacionarem-se. O choque civilizacional, ora denunciado por Samuel Huntington, perpassa o dualismo entre o Ocidente e o Oriente, mas, de certa forma, essa divisão carece de capacidade explicativa da realidade. A identidade civilizacional é um processo autodeclarado e autorreflexivo, mas que ao mesmo tempo precisa ser reconhecido pelo outro, pelo diferente. A divisão do mundo em civilizações, portanto, frequentemente realiza-se de maneira arbitrária, reduzindo a complexidade desse fenômeno cultural.

O Ocidente, por exemplo, reconhece a Europa como berço, mas não se confunde inteiramente com ela. De qualquer modo, ela foi, e continua sendo, um dos epicentros desses encontros civilizacionais que ora são marcados por ricas trocas econômicas, tecnológicas e culturais, ora resultam em conflitos, guerras e, por vezes, na barbárie, como testemunha o século XX. A transição do continente europeu em direção à União inscreve-se no desenvolvimento histórico-político particular do Ocidente, e, por conseguinte, reflete os valores fulcrais dessa civilização; ainda assim, porém, sua emergência e sua atuação representam um acontecimento de inegáveis contornos globais, com desdobramentos múltiplos sobre os vários cantos do planeta com outros povos e outras culturas.

Viveu-se, no breve século passado, como indicado por Eric Hobsbawm, uma era de extremos, de violências e atrocidades inimagináveis. A Europa, berço da civilização ocidental, do Estado de Direito e da democracia, viu-se devastada pelos horrores de uma era de catástrofes, da qual foi palco principal. Ao fim da Segunda Guerra Mundial, ou da segunda fase da Guerra Civil Europeia, os cidadãos europeus viram-se diante da necessidade de refundar as bases da paz e da prosperidade do Velho Mundo. Nesse ensejo, as lideranças do continente engajaram-se em uma notável iniciativa de integração regional, de modo a possibilitar um recomeço à Europa baseado na solidariedade e na cooperação entre seus povos, bem como em uma herança comum europeia. Ainda no decurso do século XX, essa iniciativa viria tomar diferentes formas, da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, criada pelo Tratado de Roma (1957), passando pela Comunidade Econômica Europeia, até a fundação União Europeia propriamente dita, estabelecida pelo Tratado de Maastricht (1992).

No tempo presente, a Europa integrada é muito mais do que um bloco econômico pujante, ela é uma comunidade política supranacional, ou confederada, a qual integram 27 Estados, voltada à construção de um espaço comum de cidadania, liberdade, justiça, progresso e sustentabilidade. Sua edificação vem exigindo um esforço notável de engenharia diplomática, jurídica, econômica e social. Embora atravessada por crises, a experiência europeia de integração regional revelou-se uma iniciativa de notável abertura à diferença, razão pela qual a Europa pode ser concebida como uma comunidade em permanente transição. E enquanto pivô da trama internacional, a Europa hoje estabelece relações econômicas, políticas e culturais com diversos Estados, e até mesmo civilizações, ora coagindo, ora sendo coagida, ora alterando a dinâmica mundial, ora sendo alterada por ela.

O projeto europeu processou-se como uma marcha longa e complexa. Sua desafiadora construção deu-se como a síntese de um processo polissêmico, que alberga múltiplos sentidos e interesses. Em razão disso, o itinerário da União Europeia foi, como continua sendo até o presente, permeado por incessantes conflitos e disputas. Diante disso, evidenciar as continuidades e transformações desses embates parece movimento necessário para se interpretar os próprios sentidos que o projeto europeu assumiu ao longo do tempo, tanto no imaginário ocidental quanto mundial.

Ante os desafios contemporâneos que tomam lugar na cena internacional, tais como mudanças climáticas, a crise da globalização neoliberal, a exacerbação das tensões geopolíticas, torna-se imprescindível um novo olhar sobre as civilizações, sobre a humanidade e seu projeto de mundo, suas metanarrativas e sua macrofilosofia. Importa, nessa esteira, (re)pensar os aportes teóricos, filosóficos e culturais que têm atravessado a ideia de integração e moldaram o Velho Mundo até aqui, de forma a elucidá-los e problematizá-los. É necessário também refletir sobre os desafios e as possibilidades que o tempo presente impõe não somente à União Europeia, a seu desenvolvimento institucional, a sua política externa e de defesa, a sua agenda de sustentabilidade e a sua coesão interna, como também ao indivíduo moderno e a suas culturas.

O Centro de Excelência Jean Monnet da Universidade Federal de Minas Gerais faz parte do programa da Comissão Europeia (Erasmus+) e tem como objetivo fomentar projetos de disseminação, discussão e diálogo, bem como atuar na formação de pesquisadores e incentivar a realização de pesquisas e estudos sobre distintos aspectos da União Europeia tendo como núcleo temático o WISDOM (World´s impact of sustainability: the domain of the model of European Union and the relation with Mercosul), ou seja, o estudo do impacto mundial da sustentabilidade a partir das relações Mercosul e União Europeia..

As ideias do CEJM-UFMG encontram-se em perfeita sintonia com as da REVICE, fundada em 2016 e que atingiu a classificação A4 pela CAPES (Triênio 2017-2020). O periódico revelou-se um importante centro de discussões, privilegiando a abordagem crítica de problemas, doutrinas, teorias e realidades através da pesquisa. A parceria entre o Centro de Excelência Jean Monnet da UFMG e a Revista de Ciências do Estado traz consigo a importância e a ciência das discussões dos estudos internacionais, da UE e do mundo, no tabuleiro geopolítico sob acelerado processo de globalização (turboglobalização). Avaliando sempre disposições pregressas e variadas que orientam e direcionam as ações, almejando, portanto, maior pluralidade de visões e investigações.

De forma específica, interessa investigar as interações da União Europeia com outros atores globais, e os desafios que se colocam àa sua atuação internacional ou intercivilizacional. De que modo a política externa europeia tem se orientado em um mundo crescentemente multipolar? Como a União Europeia tem buscado desenvolver seus laços com o Sul Global, os países da África, América Latina e Ásia? Quais as perspectivas para a cooperação europeia com outros blocos regionais (Mercosul, ASEAN, União Africana)? Qual a relação da União Europeia com os BRICS+? Como têm se dado as interações da organização e seus membros com grandes potências (China, Rússia e Estado Unidos)? Quais as contribuições da Europa na promoção da sustentabilidade e dos direitos humanos? Quais os atuais desafios enfrentados para se garantir o direito ao desenvolvimento econômico, social, cultural, político e sustentável? De que modo a atual conjuntura europeia nos permite refletir sobre transformações da ordem internacional? Quais os principais dilemas atinentes à defesa e à segurança do Velho Mundo? Qual o papel da União Europeia no concerto internacional de nações? De que forma a União Europeia projeta seus interesses na chamada “governança global”? De que forma se dão as relações políticas entre membros e não-membros da União Europeia? Afinal, qual é ou deve ser a posição do Brasil frente a União Europeia? O que o Brasil tem a ensinar para a UE? O que a UE tem a ensinar ao mundo?

Em paralelo, pode-se também refletir sobre a dinâmica jurídico-política interna da própria Europa. Quais os principais dilemas de suas instituições? Como a União e seus membros respondem aos movimentos populistas e outros desafios da democracia? Quais os desdobramentos extraterritoriais das normas e políticas emanadas da organização? Quais os desafios da concretização de uma cidadania europeia e da efetividade dos seus direitos? De que modo o Direito Europeu vem evoluindo? Que tipos de tensões e avanços se verificam nas relações da União com seus Estados-membros? Que soluções jurídico-políticas vêm permitindo a organização solucionar seus impasses internos? Quais contribuições a experiência de integração da Europa tem oferecido para as diferentes atividades do setor público?

Além disso, importa refletir sobre as dimensões ecológicas do projeto europeu. Quais os caminhos para se realizar na Europa uma transição energética? Como os europeus têm encarado a tarefa de descarbonização de suas economias? Em que medida a União Europeia contribui para a promoção do desenvolvimento sustentável de seus membros e do resto do mundo? Como dar efetividade ao Pacto Ecológico Europeu e outras normas comunitárias atinentes à sustentabilidade? A partir de quais abordagens se pode problematizar e aprimorar as iniciativas verdes da Europa? É possível pensar a Europa como polo de referência desenvolvimentista?

De igual modo, deve-se explorar os contornos culturais. Quais as relações entre o ideário político-filosófico ocidental e o projeto europeu? Que valores as aspirações parecem ter mobilizado tanto para promover a União Europeia, quanto para como criticá-la? De que modo se pode situar a emergência da União na longa história do Ocidente? Qual o sentido de futuro que a União Europeia almeja para si e para o mundo? Ao mesmo tempo, de que modo se pode mediar as diferentes visões de mundo que compõe as particularidades dos povos europeus? De que modo a Europa integrada expressa ou rejeita ideais como liberdade, soberania, igualdade e vontade popular? Como a globalização de valores afeta a política regional e mundial? É possível estabelecer uma agenda mundial comum a partir da União Europeia? De que modo se dão as relações entre o Ocidente e o Oriente a partir da União Europeia? Qual a nova (des)ordem mundial? Para onde caminha o Ocidente? Há de fato um choque de civilizações em formação no século XXI? O que está em disputa na ordem internacional? A União Europeia vem ganhando ou perdendo espaço na contemporaneidade? O sonho de integração europeu segue sendo uma utopia?      

Esse número engloba, portanto, trabalhos sobre: Estudos internacionais; União Europeia; Geopolítica europeia; Globalização; Desenvolvimento sustentável; Desenvolvimento econômico; Desenvolvimento cultural; Desenvolvimento político; Desenvolvimento tecnológico; Crises mundiais; Novas dinâmicas internacionais da Europa e do Brasil; Questões de política interna e externa da União Europeia e do Brasil; Políticas educacionais na Europa; Gestão de defesa europeia; Contexto/desenvolvimento sociocultural europeu; Tratados da União Europeia; Instituições da União Europeia; Parlamento Europeu; Mudanças climáticas; Conselho da União Europeia; Banco Central Europeu; Banco dos BRICS; Moeda única (Euro); Política Agrícola; Acordo de Schengen; Políticas de migração e imigração da UE e o mundo; Estudos Europeus; História da União Europeia; Blocos econômicos internacionais; Políticas de Integração; Tratados Internacionais; Relações internacionais; Estudos estratégicos; Geopolítica; Globalização; Capitalismo mundial; Diplomacia; Nação; Cultura; Conflitos Civilizacionais; Choques de Culturas; Teoria Comparada do Estado; Governança global; Sistemas de governo; Formas de Estado; História mundial; Erasmus; Universidades; bem como demais reflexões acerca da própria União Europeia para o mundo.

I – A publicação da REVICE dar-se-á em fluxo contínuo.

II – A REVICE receberá trabalhos para o presente do dossiê a partir da data de sua publicação até 10 de setembro de 2023.

III – Os trabalhos cujo processo de avaliação e correção não se encerrarem até 31 de dezembro de 2023 serão publicados nos números seguintes da REVICE.

IV – Todas as políticas de submissão da REVICE, bem como suas políticas editoriais, se encontram em seu site oficial.

V – Serão aceitos apenas artigos, ensaios, resenhas, traduções inéditas e memórias históricas.

VI – Os trabalhos de temática livre continuam a ser aceitos pela REVICE.

Belo Horizonte, 10 de julho de 2023.

Lucas Antônio Nogueira Rodrigues
Editor-chefe da REVICE

João Pedro Braga de Carvalho
Editor-chefe Adjunto da REVICE